O DIA SEGUINTE
* Joaquim Pessoa *
* Joaquim Pessoa *
O dia seguinte era sempre um anjo: compreendia que todos o
aguardavam sem dele nada esperar e, torcendo o coração até
ficar azul, tornava-se fresco, líquido, sem ninguém a persegui-
lo.
Lembrava-se o homem de ter voltado cansado, porque o disse
e o viu o cão. No umbral, transformou as mãos e, estendido de
costas na palha foi um peixe, depois sombra branca e leite der-
ramado. Como se estivesse a dormir, tinha a boca aberta; não
soube dizer nada e não disse.
Tudo era diferente no caminho das árvores: o bafo do cão estu-
gava, a alegria era única; alguém, por vezes, sabia conversar.
A língua molhada enroscou-se ao chão, insubornável, com um
longo movimento, esperando o minuto seguinte.
Reconhecer-se-ia a intranquilidade, porque não poderia nunca
explicar-se, pelo que dela se movia e não bastava. No que era
bom se confiava. No que era inútil, a pele não acordava nem ar-
dia.
Leve, assim, o sono prometia. Cedo teria a água de cantar, sem
que a mais lenta palavra se entendesse. A uma outra carta o si-
lêncio respondeu. Quando o vento for útil, dizia-se, alguém te-
rá partido mas só esse saberá, ao certo, o caminho de regresso.
in FLY, Litexa, 1983.
(A reeditar em 2013, em edição especial comemorativa dos 30
anos de publicação, com um estudo de Teresa Sá Couto).
aguardavam sem dele nada esperar e, torcendo o coração até
ficar azul, tornava-se fresco, líquido, sem ninguém a persegui-
lo.
Lembrava-se o homem de ter voltado cansado, porque o disse
e o viu o cão. No umbral, transformou as mãos e, estendido de
costas na palha foi um peixe, depois sombra branca e leite der-
ramado. Como se estivesse a dormir, tinha a boca aberta; não
soube dizer nada e não disse.
Tudo era diferente no caminho das árvores: o bafo do cão estu-
gava, a alegria era única; alguém, por vezes, sabia conversar.
A língua molhada enroscou-se ao chão, insubornável, com um
longo movimento, esperando o minuto seguinte.
Reconhecer-se-ia a intranquilidade, porque não poderia nunca
explicar-se, pelo que dela se movia e não bastava. No que era
bom se confiava. No que era inútil, a pele não acordava nem ar-
dia.
Leve, assim, o sono prometia. Cedo teria a água de cantar, sem
que a mais lenta palavra se entendesse. A uma outra carta o si-
lêncio respondeu. Quando o vento for útil, dizia-se, alguém te-
rá partido mas só esse saberá, ao certo, o caminho de regresso.
in FLY, Litexa, 1983.
(A reeditar em 2013, em edição especial comemorativa dos 30
anos de publicação, com um estudo de Teresa Sá Couto).
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